Desencarne - Yvonne Peireira do Amaral

Uma heroína silenciosa

Nascida a 24 de dezembro de 1900, ela viveu oitenta e três anos, desde cedo dedicando-se a bem do próximo. Seu pai costumava levar para casa pessoas necessitadas e a menina Yvonne conviveu com mendigos, que comiam na mesma mesa e dormiam sob o mesmo teto que ela.

Toda sua vida foi de renúncias e dedicação aos sofredores. Desde os cinco anos de idade, passou a ter percepções mediúnicas. Via os Espíritos com tal nitidez que, por vezes, confundia a si mesma e aos seus familiares.

As lembranças de vida anterior não contribuíram menos para lhe causar tormentos pois, à tarde, ao ser banhada, ela exigia o vestido bonito e reclamava pela carruagem que a deveria levar a passeio.

No relacionamento com seu pai, mais de uma vez, em sendo chamada a atenção, olhava-o e dizia que ele não era seu pai, apontando para o nada, afirmando que aquele que era o seu pai. Referia-se ao Espírito Charles, que via com constância, e que lhe fora companheiro de muitas jornadas e pai amoroso.

Sentia, ademais, imensas saudades de Charles, a quem desejava abraçar, sofrendo por sua ausência física.

Aos vinte e nove dias de nascida, teve um colapso letárgico e tudo foi disposto para seu enterro. Sua mãe insistia que ela não estava morta e, preparando-se as pessoas para levar o pequeno caixão à sepultura, se recolheu ao quarto, orou à Maria, mãe de Jesus, pedindo que ela permitisse que algo ocorresse, a fim de que sua pequena não fosse sepultada. E prometeu dar-lhe o nome de Maria.

O pai, contudo, tinha sua própria vontade e a registrou com o nome de Yvonne – Yvonne do Amaral Pereira. No entanto, a própria Yvonne confidenciou a amigos que, na Espiritualidade, os Espíritos a chamavam por Maria, respeitando assim, a vontade e a promessa de uma mãe aflita.

Yvonne era uma mulher corajosa. A pedido da Federação Espírita Brasileira – FEB escreveu, em   1982, sua própria biografia, detalhando suas lutas, seus percalços, que foi publicada na Revista Reformador, da FEB.

Não temeu informar que ela própria era a personagem de muitas das histórias e romances escritos mediunicamente, por seu intermédio, descrevendo sua trajetória de acertos e desajustes, desde o ano 40 da Era cristã à atualidade, conforme os registros em Sublimação (Lygia/ Nina/ Leila); Nas voragens do pecado(Ruth–Carolina); O cavaleiro de Numiers (Berthe de Soumerville); O drama da Bretanha (Andrea de Guzmann).

O casamento não fez parte de sua vida, embora ela tenha insistido com alguns namoros que, conforme confessou, somente dissabores lhes trouxeram à alma.

Médium psicógrafa, receitista, de desdobramento, psicofonia, vidência, de efeitos físicos (materializações), era amiga dos suicidas. Lia os jornais e anotava em caderno especial o nome dos que descobria terem tirado a própria vida, orando por eles, diariamente, sabedora das dores que os alcançavam.

Isso lhe granjeou muitas amizades espirituais. Trabalhou sempre, mesmo quando as condições lhe eram mais adversas. Quando, no Rio de Janeiro, não foi aceita em vários centros espíritas, trabalhou sozinha, fornecendo receituário mediúnico e os medicamentos, realizando aulas de evangelização a crianças, psicografando.

Aplicava injeções em doentes pobres. Costurava para eles. Estabeleceu aulas de costura e bordados a moças e meninas de favela próxima de onde residia.

Manteve-se fiel à FEB, mesmo após ter tido suas duas primeiras produções mediúnicas rejeitadas (Memórias de um suicida e Amor e Ódio). Reconheceu que fora o Alto que tornara seu instrumento Manuel Quintão, pois faltava conteúdo doutrinário ao Memórias. Léon Denis, o Apóstolo do Espiritismo, seria quem lhe daria a feição doutrinária necessária.

Yvonne teve oportunidade de saber da reencarnação de seu grande amor, um amor de várias reencarnações, chegando a se corresponder com ele, em Esperanto e orientá-lo, após a morte física. Ele nascera na Polônia.

A descrição dos encontros espirituais desses dois Espíritos é sublime. Possivelmente, para o coração de Yvonne, os poucos momentos de felicidade de que podia fruir, além das horas de trabalho psicográfico de literatura, que, confessava, eram de intensa felicidade, as únicas horas felizes que conheceu em sua vida. Eram oportunidades de convívio com os Espíritos.

Dedicou cinquenta e quatro anos e meio às curas através do receituário homeopático, passes e preces. Curou obsessões, sempre assistida por Espíritos de alta envergadura como Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio, Charles, Roberto de Canallejas.

Foi oradora espírita durante quarenta e quatro anos. Disciplinada, diariamente, matinha um trabalho de irradiações, que realizava a sós, com seus guias.

Nessas verdadeiras sessões, ela lia trechos da Doutrina Espírita, oferecendo-os aos desencarnados, desejando que pudessem se esclarecer e se ilustrar com as leituras.

Atuou orientando médiuns e Centros Espíritas, reconciliando cônjuges, reequilibrando lares desarmonizados, consolando corações, evitando suicídios e esclarecendo Espíritos sofredores.

Estudiosa da Doutrina Espírita, na Codificação alicerçava todo seu trabalho, seguindo fielmente as prescrições de O livro dos médiuns, no exercício da própria faculdade.

Autora: Maria Helena Marcon

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